“Changeling” por Nuno Reis

Lentamente vamo-nos habituando ao facto de os filmes com Clint Eastwood serem cada vez mais raros e estarem a terminar. Aos poucos passa para trás das câmaras, deixando o estrelato para outros. Este é já o terceiro filme consecutivo que só realiza. Se como actor era dos melhores, como realizador está num nível superior a qualquer outro em actividade.

Estamos no final dos loucos anos 20, mas o problema retratado em “Changeling” não é económico, é pessoal e social. A polícia que deveria servir e proteger toda a população torna-se o pesadelo de uma mãe que perdeu o filho. É pessoal porque tem de se desenrascar sozinha, é social porque a lei vigente permitia esta atitude.
Christine Collins é mãe solteira que muito ama o seu filho, o pequeno Walter. O seu trabalho como supervisora de uma central telefónica impede-a de passar uma tarde de sábado no cinema com Walter. Ao chegar a casa não tem o filho nem nenhum sinal dele. A polícia diz que só o pode considerar como desaparecido após 24 horas, uma regra normal que ainda é praticada em muitos lugares. O que não é normal são os meses que se seguem de investigação por parte de uma polícia violenta, insensível e incompetente. Deixarem o caso por resolver seria o menor dos males, a resolução dada foi bastante pior.
Entregando a Christine uma criança que não é a dela vão despoletar um movimento cívico nunca visto. Ajudada pelo fanático reverendo Briegleb, Christine vai iniciar uma luta muito solitária contra o LAPD e sofrer as consequências. Vão acusá-la de ser uma má mãe que quer descartar o filho para ficar livre das suas responsabilidades. Vão considerá-la louca, mas nunca conseguirão quebrar o seu espírito lutador. Quando consegue provar o seu ponto de vista irá encetar uma luta sem tréguas contra a polícia e a lei. Uma batalha pelos que não têm a coragem de fazer frente à corrupção e sofreram como ela.

Angelina Jolie começou a carreira a solo (sem ser a arrasto do pai) com personagens fortes e sensuais. Basta pensar nos primeiros trabalhos como “Gia” ou “Hackers“. Seguiram-se filmes de diversos tipos, bons e maus, mas faltavam os prémios. Desde o Oscar em 2000 até o ano passado com “A Mighty Heart” não teve nenhuma distinção cinematográfica de relevo. Quando começou a vestir a pele de mulheres normais que se transcendem como Marianne Pearl e agora Christine os prémios começaram a surgir. Continua a ser uma cara bonita num corpo perfeito, mas finalmente o que transparece mais é o talento.
Christine é uma mulher admirável. A caracterização e guarda-roupa de época podem ter ajudado a compor o retrato, mas nada disso teria efeito se não estivesse dentro uma grande actriz.
Nos papeis secundários o destaque óbvio vai para John Malkovich. Sempre que a personagem precisa de um pouco de loucura é um nome que encabeça a lista de preferências. E quando se é Eastwood ter os melhores é algo banal. A outra interpretação de destaque é a de Jeffrey Donovan como o capitão intransigente. No final Jason Butler Harner vai roubar o espectáculo com uma personagem tão odiada que é inesquecível. Todas as crianças estão perfeitas.

Na fotografia Eastwood tem novamente o velho parceiro Tom Stern. Da música tratou sozinho. Ambos os pontos são comuns às três anteriores obras de arte do realizador. O argumento de Straczynski para ser apenas com factos reais é incrivelmente chocante. Faz-nos acreditar na pena de morte. “Changeling” não é perfeito, a realização acima da média não tem aqueles detalhes de génio a que Eastwood nos acostumou. Mesmo assim é um filme brilhante e com a duração muito bem gerida.

NOTA: Na conferência de imprensa em Cannes a observação mais estranha ouvida foi “aquele modelo de rádio tinha de ser ligado minutos antes de tocar porque precisa de aquecer e no filme não fazem isso”. Quando não há por onde dizer mal do filme fica-se picuinhas… Na montagem que hoje estreia não se nota nenhum problema com o uso do rádio.