The Banshees of Inisherin

O Cinema começou por ser uma curiosidade, mas assim que se generalizou, depressa de tornou um fenómeno de massas. A arte é muitas vezes relegada para segundo plano. Para isso ajuda que a grande máquina de Hollywood nos bombardeie com marketing sobre o que deveríamos ver. Mas por vezes, alguns indivíduos conseguem contornar as regras do jogo e levar ao grande público um pedacinho de magia.

O responsável por esse evento de excepção é Martin McDonagh. O realizador que nos convenceu logo à primeira com “In Bruges” (e que desiludiu imenso com “Seven Psychopaths“) atingiu a fama com “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri” (7 nomeações a Oscar que se traduziram em duas vitórias). Neste quase regresso às origens, McDonagh escreveu, produziu e realizou uma história sobre dois homens banais numa pequena ilha, ao largo de outra ilha, ao largo de outra ilha, que se desentenderam algures em 1923. Sendo que tem lugar enquanto a Irlanda estava numa guerra civil que deixou marcas até aos nossos dias, de que forma a vida corriqueira desses dois ninguéns pode ficar interessante? Pois o truque foi pegar em algumas das estrelas incontornáveis da Irlanda – Colin Farrell, Brendan Gleeson e Kerry Condon – e usar apenas a fama dos envolvidos para entrar nas listas de títulos a ver de muita gente. E depois a sua qualidade e o passa-palavra levaram o filme à popularidade necessária. A consequência foi clara: tornou-se um dos favoritos de toda a gente para os prémios.

Quando na abertura deste texto me referi a “The Banshees of Inisherin” como sendo um pedacinho de magia, foi de propósito. É que este filme não tem nada de género fantástico . Por ser precisamente sobre um evento completamente normal que poderia acontecer a qualquer um em qualquer século, é fácil identificarmo-nos com Pádraic (Farrell) que fica estupefacto ao ouvir Colm (Gleason) dizer que não quer mais ser seu amigo. No filme esse evento toma outras proporções por ser numa povoação pequena e remota, habitada por gente simples e indiferente ao que se passa na ilha do lado, e essa novidade acaba por se tornar tema de conversa entre todos. E enquanto Pádraic se tenta aproximar – contra os conselhos de todos – Colm só se quer afastar. O que é difícil quando frequentam o mesmo bar e a população se resume a umas dezenas!

Claro que existe toda uma justificação por trás da decisão e isso leva a vários momentos deliciosos de humor num drama construído com mestria. Essas camadas são dirigidas ao inconsciente de cada um de nós. Enquanto a sinopse oficial será certamente algo a recordar por muito tempo, são os detalhes fáceis de esquecer que enriquecem a história e apelam ao coração.

Por muito bom que seja ter liberdade de escolher entre filmes independentes e blockbusters comerciais, quando temos estrelas consagradas a darem tudo num filme completamente independente, em cenários incríveis, com um argumento impecável, provando que se faz bom cinema sem dinheiro e estúdios, é o melhor dos dois mundos. Sim, uma cena chave feita com efeitos digitais não tem a qualidade a que nos acostumamos nos filmes de milhões de dólares, mas é um detalhe num filme que sabe o que quer ser, o que precisa e que se poderia resumir como sendo sobre esperança. O único inconveniente sério é mesmo a necessidade de legendas para acompanhar parte dos diálogos, falado num inglês antigo e rural por todas as personagens. Em parte isso torna cada uma das citações memorizadas mais divertidas.

É um dos grandes filmes do ano e a não perder, mesmo que o tempo se encarregue de o esconder.